A polícia descer do morro e vir prender a classe média tem seu lado positivo. Finalmente essa classe será confrontada com parte daquilo que as periferias passam diariamente e desde sempre. Não atentar para esse aspecto e deixar reinar essa ‘perplexidade aterrorizada’ sobre as prisões arbitrárias que ocorreram na copa, parece conter em algum grau um desrespeito à população periférica que está acostumada com esse tipo de situação (prisões arbitrárias, provas insuficientes, arguições non-sense justificando as prisões) e nunca viu ninguém ficar perplexo na periferia.

Além disso, esse discurso, e mais precisamente a parte sobre a qual ele não fala, sugere que era melhor antes, quando o problema atingia apenas o morro e que, até aquele momento, só o que faltava era estender os direitos já conquistados pelas classes média e alta para os pobres. Sugere uma espécie de estratégia na qual os direitos conquistados chegariam progressivamente de cima para baixo. Essa estratégia parece mais uma vez conter algum grau de desrespeito, pelo simples fato de que supõe que aqueles que já conquistaram os direitos, os da classe média e alta, serão os principais agentes da luta, pois esses estarão em condições imensamente superiores de promover essa transformação do que aqueles que ainda não tem os mesmos direitos garantidos (o direito de não ser preso arbitrariamente, no caso).

Nossa luta é conjunta! Devemos lutar com todas as forças pela liberdade dos nossos presos, mas não podemos cair no discurso de que “esses são os presos políticos e aqueles são os presos comuns”. Todo preso é preso político! Fora PM do mundo!

Porque não vamos depor no DEIC – ou sobre intimações, inquéritos e investigações

Durante 2013, a luta por um transporte efetivamente público sofreu forte repressão no Brasil. Só em São Paulo, durante as manifestações contra o aumento da tarifa, foram presas mais de 300 pessoas. A diferença desse número em relação às cifras oficiais divulgadas pela Polícia, e replicadas pela mídia, se deve principalmente às prisões para averiguação. Sem imputar qualquer crime, a Polícia Militar prendeu e encaminhou para Delegacias de Polícia pessoas por estarem com tinta, cartazes, vinagre e mesmo “por ter cara de manifestante”.
Essa prática ilegal, cotidianamente adotada pela PM nas periferias, foi novamente utilizada na semana de luta pelo passe livre, nos atos dos dias 23 e 25 de outubro, somando mais de 110 pessoas que foram presas sem que se pudesse acusá-las de absolutamente nada. Mais uma vez, a famosa e inconstitucional “prisão para averiguação” fez com que as pessoas presas fossem liberadas ao longo da madrugada, como sempre, após horas submetidas à ilegalidade estatal, a agressões físicas e psicológicas, e a abusos como a revista vexatória.
A repressão operada com esse tipo de intimidação foi aprofundada por uma ação alardeada pelo Governador de São Paulo e orquestrada pelo Ministro da Justiça, em conjunto com o Judiciário, o Ministério Público e a PM que, surpreendentemente, sem qualquer base legal, instaurou um inquérito policial para identificar os manifestantes deste e de diversos outros atos. Um inquérito que sequer possui qualquer pessoa indiciada pela prática de um crime. Os alvos deste inquérito, que já tinham sido presos de forma arbitrária, foram intimados a depor no dia 12 de dezembro de 2013, e aqueles que não compareceram foram reintimados a depor no dia 24 de janeiro de 2014, sob diversas ameaças, dentre elas a de condução coercitiva pela Policia em caso de não comparecimento.
O pretexto para a investigação é identificar adeptos da tática “black bloc”, mas, como fica cada vez mais claro com o desenrolar dos depoimentos, a principal intenção é mapear e intimidar todas aquelas pessoas que lutam por uma vida sem catracas.
As contradições desse processo estão evidentes mesmo dentro do próprio sistema que ele pretende preservar: a figura do inquérito serve para investigar crimes e não pessoas. Nesse inquérito não há a apuração de crime específico algum; as tomadas de declarações se restringem a identificar pessoas – com interrogatórios que remetem a Estados de Exceção – com a intenção de enquadrá-las em um grupo de suspeitos a priori. A seletividade das ações da polícia se repete, mas com outro recorte: junto à criminalização cotidiana da pobreza, visa reprimir as lutas que se colocam contra este sistema opressor.
Enquanto isso, as barbaridades cometidas pelos agentes policiais não são apuradas, sem qualquer aceno de responsabilização ou mesmo de desestruturação da lógica militar que faz de todas e todos que lutam ou resistem às opressões inimigos a serem violados.
O Movimento Passe Livre São Paulo e a Fanfarra do M.A.L. entendem que a existência dessa investigação é a continuação da sistemática violação de direitos das pessoas que já foram presas ilegalmente. A visita de policiais em suas casas e as ameaças verbalizadas nada mais são do que uma intimidação para desmobilizar nossas lutas. Por isso, defendemos o não comparecimento para depoimento, exercendo, dessa forma, o nosso direito constitucional de permanecer em silêncio. Não é admissível que continuemos a legitimar esse tipo de ação repressiva e intimidadora dos de cima, que só busca preservar a ordem que controla e massacra os de baixo.

TODA PRISÃO É UMA PRISÃO POLITICA!
POR UMA VIDA SEM GRADES E SEM CATRACAS!

A espetacularização da corrupção não traz avanço algum pra luta social. Não faz sentido algum defender os petistas presos, muito menos reivindicar que o que eles fizeram foi em nome de algo maior e não para eles próprios, assim como não faz sentido achar que o espetáculo da mídia em cima de todo o caso do mensalão tem alguma contribuição à oferecer para a construção de um mundo mais justo. A Fanfarra do M.A.L. nunca tocou e não vai tocar em manifestações contra a corrupção porque por trás desse tipo de batalha existe uma defesa subentendida aos “políticos honestos”. Não existem políticos honestos, se houvessem pediríamos encarecidamente que largassem o poder e deixassem o povo mandar, uma pessoa honesta não se acomodaria numa posição de mais importância do que outra.

Além disso, estamos falando de algo que ninguém defende, não há um grupo que defenda a corrupção, ser contra a corrupção não faz desestabilizar o sistema, a não-corrupção é um valor vago e não traz em si noções específicas de atitudes que deveriam ou não acontecer. Uma batalha como essa não ganharia a projeção que ganhou se não houvessem interesses por trás, e não estamos falando dos interesses da população, estamos falando dos interesses particulares de cada político que quer se impor como sendo a alternativa aos corruptos e de cada agente que quer ter oportunidade de fazer pose de radical sob um discurso raso e conservador. Assim, fala-se de corrupção para que não se fale mais de hiper-exploração capitalista e opressão social.

Não vamos perder tempo defendendo os políticos presos sob o argumento enfadonho que outros também deveriam estar presos, mas também não deixaremos de ser críticos ao fato de que lutar contra a corrupção é defender um sistema vertical que “tem problemas”, quando sabemos que esse sistema vertical é ele próprio O problema.

No brasil, o ódio contra a corrupção faz parte do senso comum. Isso ocorre desde muito antes de junho de 2013 e muito antes do caso mensalão, e não são apenas as pessoas mal intencionadas que alimentam essa discussão. Mas se não formos capazes de aprofundar o debate para além da falha de caráter dos governantes, as questões estruturais mais sérias e urgentes continuarão sendo varridas para baixo do tapete.

Sobre a recuperação dos instrumentos roubados e danificados pela polícia

Em menos de uma semana, a Fanfarra do M.A.L. conseguiu arrecadar todo o dinheiro para repor e consertar os instrumentos apreendidos e depredados pela Polícia Militar durante os atos da Semana Nacional de Luta pelo Transporte Público. Esta arrecadação só foi possível graças à solidariedade de todos aqueles que contribuíram de alguma forma com a Fanfarra e a quem agradecemos enormemente. Toda essa solidariedade mostra que para tirar a música dos atos é preciso muito mais do que simplesmente quebrar os instrumentos e os instrumentistas. Mesmo que o Estado, a PM, os patrões, empresários, ou quem quer que seja, continue a criminalizar a música, a luta, continuaremos nas ruas. O que a Fanfarra sofreu é apenas um pequeno reflexo do que muitos vêm sofrendo cotidianamente na mão destes atores e é contra este sofrimento, essa violência, que permaneceremos tocando.

Toda a força para quem luta e toda a força para aqueles que os apoiam.

Fanfarra do M.A.L. – Movimento Autônomo Libertário.

nota pública da fanfarra do m.a.l. sobre as relações de gênero

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No último domingo, dia 12 de maio, a Fanfarra se reuniu para continuar a discussão e deliberações relativas à questão de gênero do coletivo.

Nela, elaboramos conjuntamente cinco tópicos que serão seguidos daqui pra frente por todxs integrantes da Fanfarra :

1. Os posicionamentos da Fanfarra em relação a agressões de gênero cabem às mulheres da Fanfarra e é compromisso do coletivo apoiar a decisão feminina.

2. As atitudes que serão tomadas com relação às agressões serão tomadas em conjunto e terão que ser aprovadas pelas mulheres da Fanfarra.

3. Tivemos três reuniões sobre gênero e teremos mais, incluindo atividades de formação interna preparadas pelas mulheres.

4. Posições e atitudes machistas que tenham sido defendidas individualmente por integrantes da Fanfarra  – que em nenhum momento foram posições da Fanfarra como organização – estão sendo reavaliadas, discutidas e desconstruídas ao longo desse processo.

5. Não iremos trabalhar a questão de gênero somente de maneira pontual, e sim discutir isso sempre que possível, para garantir que novas agressões e desconfortos não ocorram.

Todas essas decisões foram tomadas com um único objetivo: tornar e garantir cada vez mais a Fanfarra como um espaço seguro para as mulheres que dela participam e para xs outrxs que possam fazer parte. Sabemos que ainda temos problemas mas esperamos que, a partir dessas deliberações e de maiores discussões, estes sejam resolvidos.

Atenciosamente,

Fanfarra do M.A.L. – Movimento Autônomo Libertário